Ademir Piccoli
O que é um Judiciário Exponencial?
Atualizado: 9 de out. de 2020
A aceleração tecnológica impacta desde o comportamento das pessoas até os setores mais tradicionais. Estamos na era exponencial, e a velocidade das transições nos leva a uma mudança de padrão em escala global sem precedentes. A Justiça, obviamente, não está fora desse contexto, ou seja, vamos vivenciar o Judiciário Exponencial. Assim como em diversos setores, as instituições públicas têm o desafio de acompanhar um mundo em transformação.
Todas as organizações, principalmente as mais verticalizadas e com uma ótica linear do mundo, acabam sendo impactadas pela disrupção. Algumas não sobrevivem ao desafio de se adaptar a um mercado de novos concorrentes exponenciais, que já nasceram com bases tecnológicas.
Contudo, o Poder Judiciário, por ser um serviço público, sobrevive, mas sob alta pressão de mudança. E por que ele sofre essa alta pressão de mudança? Porque atualmente são mais 77 milhões de processos em estoque, tornando a celeridade um dos desafios da justiça no Brasil.
Vivemos uma verdadeira ruptura com o passado, já que tudo está sendo, de alguma forma, impactado pelo uso intensivo de tecnologias. Costumo dizer, ironicamente, que a sociedade evoluiu tanto que até as necessidades básicas dos seres humanos mudaram.
Saia mais: Judiciário do Passado X Judiciário do Futuro
Pirâmide de Maslow
Na base da famosa pirâmide de Maslow agora, mais do que as necessidades fisiológicas, estão a ansiedade por energia e wi-fi. Observo que os ambientes vão sendo ocupados conforme a disposição das tomadas, e podemos considerar que o ser humano vive quase em simbiose com seus devices. Usamos nossos dispositivos móveis para tantas funções, desde tirar fotos até reservar um hotel, solicitar uma viagem nos aplicativos de transporte, consultar o tempo ou pagar uma conta.
É natural, portanto, que exista um terreno fértil para novos modelos de negócios e ecossistemas digitais. O fato é que, nesse cenário, as organizações privadas e públicas precisarão cada vez mais de pessoas digitais, colaborativas, ágeis, analíticas, inovadoras e criativas. Pois, a novação precisa ser um mantra individual de cada agente em cada instituição, inclusive na Justiça.
De forma geral, as organizações precisam abraçar a transformação digital, pois hoje, há milhões de pessoas e empresas disruptivas tentando moldar o futuro, mas para pensar no futuro, precisamos discutir o comportamento dos usuários e nos preparar para gerações digitais.
Neste cenário de constantes mudanças, não poderia deixar de citar Jeff Bezos, empreendedor que foca em inovação. O CEO da Amazon, maior referência de e-commerce no mundo, nos faz pensar por meio de uma questão interessante. Ele diz que frequentemente se perguntava o que mudaria nos próximos dez anos, mas nunca ouvia a pergunta “o que não vai mudar nos próximos dez anos?” Para ele, a segunda questão é realmente a mais importante das duas, pois é preciso construir uma estratégia de negócios em torno do que será estável. E como saber o que será estável? Ora, pensando nas necessidades que as pessoas sempre terão, independentemente da tecnologia.
E o que não vai mudar no Poder Judiciário? O cidadão vai querer mais acesso as informações e mais agilidade na solução de seus conflitos.
Saiba mais: O mundo evoluiu o Judiciário também!
JUDICIÁRIO EXPONENCIAL
Do ponto de vista tecnológico, o desafio atual da justiça é o mesmo que os bancos passaram há mais de dez anos: o desafio da informatização. Em meados de 2000 a 2004, estudos da FGV - (Fundação Getúlio Vargas) já apresentavam a correlação de investimentos em tecnologia e o crescimento dos bancos.
Nesse setor, a tecnologia é fundamental para o avanço e para atender a comunidade crescente de clientes digitais. Globalmente, bancos são desafiados a fornecer serviços inovadores e modernos.
No entanto, têm diminuído o número de agências a se voltarem para a experiência digital focada no cliente. Temos visto o esforço que bancos tradicionais estão fazendo para firmarem sua nova posição digital e resistirem à concorrência dos bancos que já nascem digitais e das fintechs.
O Processo Judicial Eletrônico é primeira etapa da transformação digital. Atualmente, são cerca de 77 milhões de processos em estoque. E a disrupção, nesse cenário, vem após a digitalização.
Diante do cenário apontado, me proponho a apresentar Sete Premissas que foram mapeadas tomando por base três desafios:
Desafio da celeridade diante de um estoque;
Desafio da transformação digital, o uso intensivo de tecnologias emergentes para acelerar as mudanças;
Desafio da sociedade digital, a alta expectativa de um cidadão mais informado e conectado.
Desafio da celeridade na Justiça para alcançar o Judiciário Exponencial!
Nesse caminho, o primeiro grande desafio geral da Justiça, e também o principal paradigma hoje, é a questão da celeridade processual. Em 2019, havia mais de 77 milhões de processos em estoque à espera de uma decisão no Brasil.
Independentemente do setor, as tecnologias têm mostrado ganho em eficiência e aumento da produtividade. É importante olhar o processo como um todo e buscar soluções que transformem o dia a dia da Justiça, que permitam que servidores e magistrados aloquem seu tempo em demandas que necessitem de maior carga intelectual. Assim se dá o desafio da transformação digital.
É importante ressaltar que passamos por momentos de transformações e mudanças em todos os setores, e que a justiça, assim como a sociedade, também busca se adaptar às demandas dos novos tempos.
Desafio da transformação digital para a Justiça
Um processo leva anos em tramitação. Assim há necessidade de buscarmos soluções inovadoras para conseguir celeridade na Justiça. E não nos enganemos, seria preciso parar dois ou três anos para que os processos fossem colocado em dia. O que obviamente não é possível ser feito.
É por isso que acredito em alternativas que possam auxiliar, especialmente os magistrados, por meio da tecnologia. Tais como, o uso de plataformas online, câmaras mediadoras de conflito, agrupamento de processos por temas.
Ainda que mais de 90% dos processos já ingressam em formato eletrônico, há processos físicos em tramitação. Contudo, é importante também mencionar que a digitalização sozinha não torna mais ágil o andamento dos processos.
Os processos, sendo físicos ou digitais, têm o mesmo tempo de análise. A digitalização é apenas a primeira etapa do processo de transformação digital.
Um juiz hoje consegue baixar em média 2,1 mil processos por ano, mas recebe em média 6,9 mil processos novos no mesmo período. Dá para entender o tamanho do desafio? A transformação digital deve permear as discussões do setor nos próximos anos, juntamente com outros temas que naturalmente não saem de pauta.
A justiça vive um momento em que podemos avaliar novas soluções tecnológicas que tragam celeridade, agrupando processos de mesma natureza, ajudando na pesquisa de jurisprudência, apoiando o magistrado de diferentes formas. O resultado é a racionalização de recursos, uma Justiça mais acessível e célere.
Saiba mais: Está preparado para se tornar um super-humano?
Desafio da sociedade digital e a Justiça - o caminho para o Judiciário Exponencial!
É sabido que o cidadão, quando ingressa com um processo na Justiça, quer reparar um dano que entende que aconteceu com ele. O indivíduo só recorre ao sistema porque não teve o problema resolvido. A sua expectativa, portanto, é que o processo seja julgado com celeridade. Mas por conta do histórico do tempo de tramitação dos processos, muitas vezes acaba tendo suas expectativas frustradas.
Assim como no segmento bancário, vem crescendo o número de startups que atuam no segmento jurídico. São pelo menos 200 lawtechs e legaltechs no Brasil até o momento.
Lawtech são empresas e startups que usam novas tecnologias para a entrega de serviços jurídicos. Elas buscam explorar os gaps do meio jurídico para desenvolver serviços para advogados, escritórios de direito e departamentos jurídicos. Mas especialmente se destacam por desenvolver soluções para o público final.
Tenha um propósito para engajar todos no desafio da transformação
É preciso considerar, entretanto, que a geração de resultados requer a construção de um propósito que envolva todas as pessoas no ecossistema. No livro Organizações Exponenciais, os autores falam sobre a construção de um Propósito Transformador Massivo, chamado de PTM, que representa as aspirações futuras de uma organização.
E por que é tão importante construir um propósito? Porque é necessário alinhar as expectativas para começar qualquer mudança. O propósito, nesse caso, é o fio condutor de qualquer iniciativa. E cada premissa só pode ser aplicada se houver um propósito maior. Se busco celeridade, por exemplo, todos os desafios e planejamento devem ser focados neste objetivo.
Em minha percepção, um PTM para a justiça, poderia ser a construção de um ambiente transformacional que engaje as pessoas para evoluírem juntas. Meu propósito, e o de todos os envolvidos, é conseguir diferentes ações que transformem e levem à evolução. Todo o progresso, em meu ponto de vista, só acontece por intermédio das pessoas.
E uma vez estabelecido um propósito, vamos às sete premissas:
SETE PREMISSAS PARA ACELERAR A INOVAÇÃO E CONSTITUIR O JUDICIÁRIO EXPONENCIAL
Ao longo do meu trabalho nesses anos acabei chegando às Sete Premissas para uma instituição de alto desempenho. Elas são resultado de um trabalho intenso.
Este artigo foi construído por múltiplas contribuições. Grande parte das informações e análises são baseadas em projetos em andamento e inúmeras iniciativas que foram discutidas e questionadas em reuniões recentes com líderes e expoentes da Justiça no Brasileiro.
Além disso, tomei como base as muitas conversas que tive com empresas, instituições do ecossistema de justiça e lideranças. Bem como com pioneiros tecnológicos e jovens participantes do ecossistema de lawtechs e legaltechs. Também foram sendo construídas na medida em que fui viajando pelo Brasil entendendo questões e desafios específicos de cada Tribunal.
Meu objetivo com as premissas é olhar para a necessidade de inovação como um objetivo institucional, que conte com o apoio das lideranças centrais. O maior desafio que se tem com relação a proporcionar celeridade a justiça por meio da inovação tecnológica é preparar as pessoas para mudanças essenciais e perceber que as oportunidades de melhoria são semelhantes.
As premissas não são estáveis e nem fixas, mas sim construídas e adaptadas na medida em que evoluções e soluções aparecem.
1. Construir uma cultura digital
Para que um ambiente esteja aberto à mudança, é necessário minimizar o sistema imunológico que barra a inovação. As “defesas corporativas” que inibem as mudanças precisam ser barradas para que uma nova cultura possa se consolidar.
Construir uma cultura é como plantar uma semente. É preciso regar, fazer florescer e depois multiplicar. Alinhado ao pensamento de Salim Ismail, plante a mudança construindo uma comunidade de interesse em torno dos propósitos da organização em transformação. Apoie no desenvolvimento de microprojetos além das inovações em produtos e tecnologias, para estimular o florescimento de novas ideias em processos, modelos de negócios, ações internas, etc. Somente assim será possível combater a inércia das atuais estruturas de pensamento.
Note que quando falamos em mudança de cultura ou cultura digital, não estamos falando apenas sobre ambientes criativos e tecnológicos. É importante pontuar que a criatividade de forma geral no ambiente corporativo está associada, principalmente, à estrutura gerencial, acesso à informação e ao trabalho de forma independente para fazer a diferença em momentos de incerteza, ou seja, capacidade de se adaptar.
2. Ter o patrocínio da liderança
Acredito que a segunda premissa fundamental para um alto desempenho é o patrocínio ou apoio da liderança. Trata-se de uma premissa que faz total diferença nos resultados, visto que sem adesão da liderança, grandes mudanças serão quase impossíveis.
Ser um patrocinador não é ter a responsabilidade por todas as ideias, pois o papel do líder é entregar resultado por meio das pessoas, é um apoiador e orientador. Para ser um líder patrocinador, é necessário em primeiro lugar abrir as portas para que as pessoas se sintam à vontade para compartilhar suas ideias; o segundo ponto é ter a capacidade de ouvir para somente depois avaliar a ideia; o terceiro ponto é justamente patrocinar as boas ideias.
O líder não precisa ser a pessoa responsável por monitorar todas as iniciativas de perto, por isso é importante que ele crie uma governança para que as ideias tenham acompanhamento, e é importante delegar poderes para que múltiplas iniciativas possam fluir, sendo verdadeiramente patrocinadas.
3. Justiça 4.0
Muitas organizações estão satisfeitas com aquilo que funciona e, por isso, deixam de inovar. A sobrevivência de uma instituição depende da sua capacidade de se manter à frente da curva da tecnologia, abraçar as mudanças e fazer uso das novas tecnologias.
A era exponencial afeta todos os níveis de comando, mas depois dos CEOs, os mais impactados são os CIOs (líderes de tecnologia). O desafio da área de TI, que desde sempre foi de prover tecnologia a todas as áreas, garantindo somente que soluções autorizadas fossem utilizadas, é lidar com o número crescente de dispositivos e aplicativos trazidos por uma força de trabalho que está exigindo cada vez mais acesso a qualquer hora e lugar.
A área de TI é um agente importante em qualquer instituição que tem a transformação digital como prioridade.
Pensar em uma Justiça 4.0 é estar atenta às tecnologias e aberta para tendências que possam apoiar na celeridade. Gostaria de destacar algumas tecnologias que considero que irão contribuir fortemente para a transformação: Inteligência Artificial, Blockchain e Computação em Nuvem.
4. Cidadão digital no centro das estratégias
Mudanças dependem de pessoas. Para que o movimento seja efetivo, é preciso entender a dinâmica das pessoas, pois elas são agentes em um mundo em transformação.
Atualmente, estamos todos conectados, somos todos digitais, e isso deve ser considerado quando se fala em inovar tecnologicamente no âmbito da Justiça. Podemos considerar que o cidadão digital é mais exigente, pois está acostumado a contar com serviços melhores e mais rápidos.
Para entender melhor este cidadão 4.0, o ideal a ser feito é se colocar no lugar dele. Sabemos que há provavelmente diferenças regionais entre os cidadãos conectados do Brasil, por isso é necessário mapear as necessidades e buscar entender cada perfil.
Somente quando nos colocamos no lugar do outro, conseguimos entender e atender as suas demandas. Mas é certo que, independentemente de eventuais diferenças, o cidadão 4.0 exige transparência, cobra informações e quer monitorar o serviço público.
Colocar o cidadão no centro é reforçar que ele também é um stakeholder no ecossistema da justiça assim todos os pontos de contato com ele exigem atenção.
5. Justiça como plataforma
No cenário em transformação, é importante manter-se na vanguarda tecnológica, e quando falamos em exponencialidade é imperativo falar sobre plataformas e modelo de negócio que usa tecnologia para conectar pessoas, além de organizações e recursos em ambientes digitais que geram valores para todos os envolvidos.
Para uma Justiça de alto desempenho, defendo a abertura de dados para permitir que agentes externos, como universidade, incubadoras e startups por exemplo, possam usar informações para desenvolver novos serviços. Como resposta às mudanças, para gerar mais transparência e interação entre o ecossistema de justiça e sociedade.
Pensar em plataforma significa buscar uma nova abordagem para atender ao cidadão por meio de prestação de novos serviços. O sistema precisará ser ágil para promover a disrupção. O modelo de plataformas é uma oportunidade e vem sendo fortemente explorado por dezenas de lawtechs e legaltechs, que ganham cada dia mais relevância pela sua forma célere de resolver conflitos.
6. Inovação Multidisciplinar
O primeiro ponto a ser destacado é que inovar vai além da criação de um ambiente de inovação ou espaços coloridos como muito se costuma achar. É preciso haver um programa completo que requer uma combinação de múltiplas disciplinas e pessoas. Deve haver um método e organização, além de espaços que horizontalizem as relações.
Multidisciplinaridade na inovação, passa por reunir uma comunidade interna que esteja conectada para transformar e de cultivar uma cultura de valorização que encoraje cada colaborador a participar. A conquista de multidisciplinaridade requer que a organização envolva pessoas de áreas diversas dentro do propósito de inovação, tais como engenharia, administrativa, financeira e outras.
7. Atuar em ecossistema
A atuação em ecossistema é imprescindível para que a Justiça ganhe celeridade, troca de experiências, melhoria nos resultados e transparência.
Ecossistemas são grupos independentes de atores, pessoas, coisas e instituições públicas ou privadas atuando juntas em torno de um objetivo em que ambas ganhem. À medida que a digitalização amadurece em todos os setores, maior é a necessidade de um ecossistema digital, saindo da linearidade com parcerias bem conhecidas para fazer parte de um ecossistema digital em redes mais rápidas e mais dinâmicas.
Nessa premissa destaco especialmente a atuação em ecossistemas com agentes externos ao ecossistema, ou seja, a aproximação com universidades, incubadoras e startups.
Importante!
É importante esclarecer que as Sete Premissas não estão elencadas em ordem de implementação, levando em conta minha experiência acompanhando o andamento de projetos em tribunais por todo o país. Isso significa que a ordem das premissas não representa um guia passo a passo a seguir do primeiro ao último. Pelo contrário, é possível que cada uma delas sejam implementadas isoladamente.
Contudo, estabeleci a ordem considerando o nível de relevância para os resultados esperados. Obviamente, quanto mais premissas, melhor será o desempenho do órgão rumo a um cenário de inovação.
Ao escrever este artigo minha intenção é oferecer um momento de reflexão sobre o que pode ser feito para aproveitar melhor as oportunidades de mudanças que estão permeando todas as organizações empenhadas em construir um futuro melhor para todos. Meu objetivo principal é o de conscientizar os operadores do Direito sobre as dimensões da transformação digital pelo qual a justiça está sendo impactado; a velocidade da revolução tecnológica e o impacto no ecossistema da Justiça; e ressaltar a importância das pessoas como agentes transformacionais.
As Sete Premissas têm um papel fundamental na mudança, mas não podem ser vistas como algo isolado. É preciso que se crie uma cultura de pensar nas pessoas, além de uma visão compartilhada de liderança para que as trocas de gestão sejam “uma troca de bastão” e não uma “nova corrida”. Neste caso, para que o processo de inovação seja permanente, é preciso que haja um ciclo contínuo de evolução, sem interrupções.
Nas palestras que realizo, costumo dizer que a transformação digital requer mudanças que vão além das tecnológicas. É preciso mudar o mindset, ou seja, o pensamento, e criar uma cultura digital. O desafio certamente é grande, mas os resultados serão extremamente compensatórios.
Para saber mais sobre as 7 premissas do Judiciário Exponencial clique no botão abaixo e baixe o material que preparei para você!